Edição 75 - O Índice X-Men de Inflação
Dragão dos anos 80
Este post é para quem só conhece o Real como moeda brasileira.
Quem tem menos de 30 anos hoje não conhece na pele as garras do dragão dos anos 80, a Hiperinflação. Foi uma época de inúmeros planos econômicos, troca de moeda constante, perda de valor monetário e descrença no futuro, que só mudou com o Plano Real de Fernando Henrique Cardoso.
Eu era muito jovem nos anos 80, mas senti muitos dos efeitos nefastos de uma hiperinflação. Não chega nem perto do que sentiram as pessoas da população economicamente ativa da época, como os meus pais, mas mesmo assim senti.
Esta história começa em 1986. José Sarney era o primeiro presidente civil do Brasil em muitas décadas.
O Plano Cruzado
Em fevereiro de 1986, Sarney anunciou o Plano Cruzado. As medidas econômicas foram congelamento de preços, troca de moeda de Cruzeiro para Cruzado, cortando 3 zeros.
Em novembro de 1988, a épica revista X-Men número 1 foi lançada pela Editora Abril, a um preço de capa de Cz$ 260,00 (Cruzados). Na capa, Vampira, Tempestade, Colossus, Cíclope, Kitty Pride, Wolverine e Noturno – bons tempos aqueles.
As histórias desta época eram do fantástico roteirista Chris Claremont, e eram um mix de aventura, drama, suspense. Mas o que quero trazer para o post são somente as capas. Na verdade, somente os preços da capa. Esta era em formatinho padronizado com 80 páginas e tiragem mensal, o que faz com que a revista tenha praticamente o mesmo valor anos depois, sendo a variação de preços devida somente à inflação.
A revista X-Men n.2 já custava Cz$ 350,00. No mês seguinte, Cz$ 450,00. Um aumento de 200 cruzados (80%) em 2 meses!
Em 1988, o plano Cruzado (e o Cruzado II) já tinha afundado completamente. O congelamento de preços não funcionou (nunca funciona), os gastos públicos não diminuíram. Foi como dar um analgésico sem tratar a causa da doença.
Lembro-me de que neste época todo mundo era “Fiscal do Sarney”: responsável por fiscalizar se algum malvado comerciante capitalista estava aumentando preços congelados. Vira e mexe alguém aparecia no jornal, preso, por furar o congelamento artificial do governo.
Congelamento de preços sempre causou e sempre causará desabastecimento de produtos. Desabastecimento sempre gera um mercado negro.
Imagine uma dona de casa que faz bolos para vender. Se ela gastar Cz$ 80 para fazer o bolo e coloca uma margem de Cz$ 20, o produto final terá um preço de Cz$ 100. Mas, se o bolo tiver o preço congelado a Cz$ 50, a dona vai tomar prejuízo se vender o bolo. Ela vai preferir não vender o bolo, ou não fazer o bolo – vale mais a pena comer o bolo do que trabalhar para fazer e vender o mesmo. Ou ela pode vender panquecas. Ou vender o bolo a Cz$ 100 no mercado negro, para quem realmente estiver precisando do bolo ao preço justo deste.
Mercado Negro não é um lugar secreto de piratas, longe da polícia. Mercado negro é qualquer lugar onde o comprador e vendedor simplesmente ignoram o congelamento e acordam o preço. Ou seja, qualquer lugar com quaisquer pessoas.
Caso descrito pelo livro “Saga Brasileira”, da jornalista Miriam Leitão. Um efeito bizarro do congelamento de preços, foi que o carro usado (sem tabela de congelamento) passou a ser mais caro do que o carro novo (preço tabelado). Mas é óbvio que ninguém conseguia comprar o carro novo na concessionária, só via mercado negro.
As três edições de X-Men em Cruzados geram o gráfico a seguir. Anualizando o índice X-Men de inflação desses dois meses, dá uma inflação de 3.300% ao ano!!
Plano Verão
O Plano Verão veio em janeiro de 1989. Mudança de Cruzado para Cruzado Novo, cortando 3 zeros, congelamento de preços (de novo, esse pessoal não aprende).
A revista X-Men n. 4 veio com o preço de capa de NCz$ 0,45 (Cruzado Novo), o que reflete exatamente o corte de três zeros do preço em Cruzados (Cz$ 450,00).
O preço de NCz$ 0,45 se manteve pelos próximos dois meses. E aí, o dragão adormecido voltou, e com força total. NCz$ 0,58, NCz$ 0,75, NCz$ 1,00.
Em janeiro de 1990, a revista X-Men n. 15 já custava NCz$ 17. No mês seguinte, NCz$ 30, e no posterior, NCz$ 53. Um aumento de 8 mil porcento em um ano!
Sarney, quando questionado sobre o que poderia fazer para acabar com a inflação, disse: “Nada. É tudo culpa da crise internacional!”. Infelizmente, mais de 20 anos depois, uma certa presidenta do Brasil também colocou a culpa da economia pífia numa suposta “crise internacional”.
Para dar um paralelo de como era a situação, imagine uma nota de 100 reais. Hoje, 100 reais pode comprar um monte de coisas. Mas, daqui a um ano, a nota de 100 reais tem um poder de compra equivalente a 1 (um) real, e o governo tem que inventar notas de 500 reais, 1000 reais, etc. Depois que um pãozinho passa a custar 1000 reais, o governo corta três zeros, inventa uma moeda chamada “real novo” ou “real verdadeiro”, e o pãozinho passa a custar 1 real novo.
Lembro-me também que fui ao Japão com os meus pais. Algo que me chamou a atenção foi que eles utilizavam moedas. Tudo quanto era máquina de refrigerante aceitava moedas, a moeda de 100 ienes. Hoje, mais de 20 anos depois, as moedas de 100 ienes continuam existindo no Japão.
As edições de X-Men em Cruzados Novos geram o gráfico a seguir, começando em NCr$ 0,45 e terminando em NCr$ 53,00. Anualizando o índice X-Men de inflação deste período, dá uma inflação de 8.000% ao ano!! Note que o gráfico é exponencial. Se nada fosse feito, o dragão só iria ficar cada vez mais forte.
O Plano Collor
Lembro-me bem do primeiro presidente eleito democraticamente pelo brasileiro após décadas. Lembro-me de que ele era a esperança de salvação deste povo sofrido. Lembro-me da cobertura das revistas e jornais da época, e de uma ministra da Economia chamada Zélia Cardoso de Melo.
Logo nos primeiros dias de governo, era lançado o Plano Collor 1, em março de 1990. A moeda passou de Cruzado Novo para Cruzeiro, sem corte de zeros. A primeira revista deste novo governo era a X-Men 18, com preço de Cr$ 30,00.
Ocorreu nesta época uma dos experimentos econômicos mais bizarros da história: o confisco da poupança. Imagine todo o seu dinheiro guardado no banco. E imagine que agora ele não é mais seu. Aliás, é seu, mas você não pode sacá-lo, nem usá-lo para nada, e este estará sujeito à uma taxa de correção arbitrária, obviamente abaixo da inflação. Ou seja, um confisco, na prática.
A lógica é mais ou menos assim: o excesso de dinheiro em circulação causa inflação. Então, vamos tirar o dinheiro de circulação na marra, isto vai acabar com a inflação e os brasileiros vão ficar felizes.
O Plano Collor 1 foi radical. Destruiu inúmeros sonhos, quebrou centenas de empresas. Tinha muita gente com dinheiro na poupança para comprar um apartamento, e que estava esperando Collor assumir para ver se os preços baixavam – ficaram sem apartamento e sem dinheiro. Todo mundo conhecia alguém que tinha sido muito afetado pelo plano de Collor e Zélia.
Tirar dinheiro de circulação na marra causou uma recessão. O PIB brasileiro encolheu 4% no ano. Pequenos empresários que não tinham capital de giro quebraram, porque não recebiam e tinham que pagar os salários em dia.
O plano foi tão desastrado que levou, indiretamente, à queda de Collor. O impeachment foi por uma denúncia qualquer de corrupção, mas a indignação popular foi causada mesmo pelo pior plano econômico de todos os tempos.
E o pior é que a inflação não morreu. Só deu uma acalmada no começo.
Em abril de 1990, a revista X-Men n. 18 custava Cr$ 30,00. Em julho de 90, já custava Cr$ 60,00. Em dez /90, já custava Cr$ 180,00.
O governo Collor foi liberando o confisco da poupança para os setores amigos. O governo continuava a gastar como sempre. Como em todos os planos econômicos, quem pagou o pato foram os mais fracos, que não conseguiam se proteger e tiveram o dinheiro de uma vida toda preso no banco. Ao Collor I sucedeu-se o Plano Collor II, com congelamento de preços (de novo?!?!).
Em agosto de 1992, a revista custava Cr$ 5.200,00, 172 vezes o valor do início do plano.
Nesta época, eu tinha uma estratégia…
Obs. O post é longo demais para o Substack. Coloquei o post completo em: https://ideiasesquecidas.com/2018/08/27/o-indice-x-men-de-inflacao-2/